É necessário que o Estado intervenha porque a situação é de facto dramática. Mas nenhuma política terá resultado se a mentalidade continuar a ser a mesma
Um dos
maiores problemas de Portugal e da Europa é o inverno demográfico.
Segundo uma reportagem do "Público", publicada há dias, "em 2013
nasceram 82 538 crianças, menos 7303 do que no ano anterior, e em 2012 o
país já tinha registado um saldo natural negativo sem precedentes, com
menos 17 757 nascimentos do que mortes".
Os
dados de 2012 apontam ainda para um outro dado importante: mais de
metade dos nascimentos deste ano foram primeiros filhos. A mesma
reportagem do "Público" faz eco desta realidade: estamos a criar uma
geração de filhos únicos.
As
consequências desta inversão da pirâmide demográfica são verdadeiramente
dramáticas, quer em termos económicos quer em termos sociais. Todos
sabemos isso. E sabemos isso há anos.
O
diagnóstico está feito e as causas que se apontam são bem conhecidas:
conciliação entre a vida profissional e familiar e dificuldades
económicas. Ter filhos custa dinheiro e é preciso condições económicas e
trabalho para os ter. Quem não tem segurança profissional e financeira
não arrisca. E quem arrisca tem um filho.
Não
podia ser pior. Esta geração de filhos únicos tem dois problemas. O
primeiro é a sua educação e o segundo é o seu futuro. Um filho único é
educado como uma raridade, rodeado de medos e de inseguranças dos pais. A
tendência é afastá-lo das adversidades, aceder aos seus caprichos e
protegê- -lo numa pseudo-segurança fabricada pelos pais que não o deixa
crescer.
Ora são estes filhos, sem
irmãos, tios ou primos, que terão a seu cargo a sustentabilidade de um
sistema de segurança social responsável por um número considerável de
beneficiários. Teremos, portanto, uma geração mal preparada mas com uma
responsabilidade como nenhuma outra teve. Terão eles estofo para
aguentar com o embate que é sustentar um país de velhos? A tarefa é
heróica e as armas são de papel.
A questão agora é saber o que fazer. Complicado? Se fosse fácil não tínhamos chegado aqui.
Portugal
está muito melhor do que estava há dezenas de anos, em que crises do
petróleo, instabilidade política e níveis de inflação que hoje parecem
irreais não criaram tamanha insegurança. Em que apesar das adversidades
económicas, dos níveis de desemprego e dos governos transitórios, a
natalidade não atingiu níveis tão dramáticos. Em que apesar de tudo as
pessoas tinham filhos. E tinham mais de um filho.
A
verdade é que a mentalidade era outra. Aprendia-se com os pais a ser
pais e com os primos e irmãos a ser criança. Com mais ou menos dinheiro
tudo se cria, diziam os nossos avós. A família era a principal rede de
segurança: todos cuidavam, protegiam e garantiam o sustento uns dos
outros. Numa família alargada os problemas dividem-se e as alegrias
multiplicam--se. Há sempre uma mão que se estende quando as condições se
tornam desfavoráveis. Ter filhos era garantir segurança. A nossa e a de
cada um deles. Fosse qual fosse o preço do pão.
É
inquestionável a necessidade de políticas de natalidade, políticas
fiscais e políticas laborais de conciliação profissional. É necessário
que o Estado intervenha porque a situação é de facto dramática. Mas
nenhuma política terá resultado se a mentalidade continuar a ser a
mesma. Se continuarmos a achar que os filhos são um bem de luxo com
custos elevados de manutenção ou uma despesa insuportável como as PPP,
não há política de natalidade que nos valha. É que nunca haverá dinheiro
que chegue e nunca existirão condições garantidas. Mais que uma conta
no banco, aquilo de que os nossos filhos mais precisam para os ajudar no
futuro é de irmãos. Por uma questão de segurança.
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